Publicado em 08/07/2013 by miltonalves
Por Leonardo Boff*
É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de
forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade
privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar, estão
se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta
energia a seu favor. A estratégia e fazer sangrar mais e mais a
Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que
lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.
Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e
voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos
ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas
nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por
parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos
manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia
participativa de cariz popular.
Seria grande irresponsabilidade
e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida
classe política aquilo que por dezenas de anos temos construido, com
tantas oposições: um novo sujeito histórico, o PT e partidos populares,
com a inserção na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se
mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando
suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e
de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe
competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no
silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos
construimos mas que, se bem olhrmos, é ordem na desordem ético-social.
Esta pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que
com a vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal do Leste
europeu em 1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatscher
inauguraram uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como
ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes
corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso
visava-se a chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir
amplo espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a
passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado
no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E
conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se
achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou
vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse
geral.
Que isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso
abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as
finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo
inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e
da voracidade dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a
Espanha e com a Itália.
A crise econômico-financeira de 2008
instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta
perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política.
Foram os Estados que tanto combateram que os salvaram da completa
falência, produzida por suas medidas montadas sobre a mentira e a
ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o prêmio Nobel de
economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das finanças
especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos. Mas
continuam aí faceiros e rindo.
Então, se devemos criticar a
nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em
grande parte, refém da macro-economia neoliberal, devemos fazê-lo com
critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da
direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade
em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo
poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a partir
do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada
e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada
fevorosamente neste empreitada de volta ao velho status quo.
Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da
direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o
rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser
estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para
limpar as ruas.
Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de
Dilma, cobrar-lhe, sim, reformas políticas profundas, evitar a
histórica conciliação entre as forças em tensão e o oposição para juntas
novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que
prolonga benefíciois compartilhados.
Inteligentemente sugeriu o
analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013): ”Há uma
grave urgência política no ar. A disputa real que se trava nesse momento
é pelo destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas
fantásticas riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da
direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente…A
possibilidade de reversão das tendências está nas ruas, se soubermos
canalizar sua enorme energia mobilizadora. Por que não instalar em todas
as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de
participação direta para construir com o povo propostas sobre a
realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das
grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a
pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva,
sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma
republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo
brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”?
Desta forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com
mais força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de
atender a infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação,
melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos
violência na cidade e no campo.
* É teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra e não filiado ao PT. Artigo publicado no seu Blog
Vejam também: http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2013/07/08/a-erosao-do-sentido-da-vida-e-as-manifestacoes-de-rua/ ; http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2013/06/17/o-ser-humano-como-no-de-relacoes-totais/
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