Em texto exclusivo para
o 247, o poeta Lula Miranda adapta a fábula do sapo e do escorpião
para os dias atuais; nesta quarta-feira, conheceremos a verdadeira
natureza do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal
Federal. Ele transportará a sociedade brasileira, o direito de
defesa e as garantias individuais até a outra margem do rio? Ou
cederá à peçonha das paixões políticas? O que somos?, indaga o
poeta. Juízes ou verdugos? Homens ou escorpiões? Respostas, hoje,
às 14h, no Supremo Tribunal Federal
18 DE SETEMBRO DE 2013
ÀS 06:19
Por Lula Miranda,
especial para o 247
É bastante conhecida a
fábula do escorpião e do sapo. Ou alguma de suas variantes como,
em sua versão “budista”, a fábula do escorpião e o monge etc.
Na versão com o sapo,
ambos, o escorpião e o batráquio, estão na beira de um rio e
necessitam atravessá-lo: uma tarefa fácil para o sapo, impossível
para o escorpião. Este último então pede uma carona ao primeiro. O
sapo, conhecedor da peçonha do pequeno artrópode, diz que não o
levará, pois este iria certamente ferroá-lo. O escorpião o
convence então de que não faria isso porque senão se afogariam
ambos – inclusive ele, escorpião. O que seria uma estultice –
arrematou sagaz. Ao que o sapo por fim se convence e resolve ajudá-lo
a atravessar o rio. Quando, já no meio da travessia, sente a dor
aguda da ferroada. Perplexo, questiona o seu carona que lhe responde
impávido: essa é a minha natureza.
Na versão do monge,
temos o homem e o escorpião como personagens da parábola ou da
fábula.
Um homem é um homem;
um escorpião é um escorpião. Isso não lhes parece uma platitude,
uma obviedade? Deveria ser. Mas nem sempre é assim. Por vezes homens
e escorpiões se confundem e se misturam; não somente nas fábulas,
mas na realidade dos dias. Algumas vezes, em algumas ocasiões, o
homem, tal qual o escorpião, está inexoravelmente encalacrado e
“atado” à sua natureza primeva, “peçonhenta”.
O homem e o escorpião
por vezes são seres bastante parecidos – para muito além das
fábulas.
Na sessão do STF, que
julgará a admissibilidade (ou não) dos embargos infringentes,
estaremos diante da decisão de um juiz que poderá dar o seu voto em
consonância com o que supostamente estaria a clamar a multidão, a
chamada “turba ignara” – na verdade, essa não é, em absoluto,
a expressão da vontade de multidão alguma, mas da grande imprensa
mercantil e dos tucanos e demais antagonistas do PT em geral –, ou
poderá/deverá julgar e votar de acordo com o que está previsto no
regulamento, no cânone da Suprema Corte, que prevê a aceitação
dos embargos infringentes quando existem 4 votos a favor do(s)
réu(s)?
Remetendo-nos à fábula
do escorpião, o ministro Celso de Mello nos dará uma demonstração
da possibilidade (ou da impossibilidade) de um homem, ali colocado na
condição de juiz, julgar e votar em estrito respeito e observância
da lei e dos direitos, líquidos e certos, dos réus; ou, em vez
disso, se deixar levar pela “multidão” ou por sua natureza, pela
“peçonha”, pelo seu instinto [seu e de alguns de seus pares] e
assim afundar no arbítrio, na intolerância, na injustiça.
É possível um juiz
julgar alheio às suas paixões e predileções políticas?
Centenas, milhares de
juízes, muitos dos quais recém-ingressados na magistratura;
milhares dos chamados “operadores do direito” estarão de olho na
decisão do ministro Celso de Mello, pois esta poderá lhes servir
como uma lição definitiva.
Poderá servir como
lição capital.
Não só aos jovens
juízes, e tampouco aos réus, mas, sobretudo, a todos nós. Pois o
que está em jogo não é tão somente algo essencial à Justiça e
ao Direito. E, também, essencial para o respeito à hombridade, à
dignidade e à vida dos réus e de suas famílias – como se isso em
si e por si mesmo já não fosse o bastante.
O que está em jogo,
para nós todos, e não somente para os ditos “operadores do
direito”, é uma questão fundamental, que diz respeito ao Estado
de Direito e à cidadania – que devem, por princípio
constitucional, estar preservados e protegidos.
Protegidos e
preservados inclusive da peçonha e vilania de alguns homens, cuja
natureza em tudo se assemelha, perigosamente, aos escorpiões e
outros bichos.
Lembro-me de alguns
ministros vociferando “marimbondos de fogo”, escorpiões, cobras
e lagartos em algumas sessões da AP 470, dando vez e voz às suas
paixões políticas e, despudoradamente, despindo-se da sua condição
de magistrado. Uma desabrida falta de pudor. Uma vergonha. Que passou
na TV, como um espetáculo infame, promíscuo. Ao vivo e em cores.
O que me remeteu àquilo
que predizia o poeta Augusto dos Anjos: “Acostuma-te à lama que te
espera!/O homem, que, nesta terra miserável/ Mora entre feras, sente
inevitável/ Necessidade de também ser fera”.
O que somos?
Juízes ou verdugos?
Homens ou escorpiões?
Conseguiremos ao final
alcançar a outra margem do rio?
Fonte: BRASIL247
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